terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Retalhos

Quando entrei no banheiro, ele estava com o rostinho virado para o outro lado e enquanto soluçava silenciosamente, jogava água em profusão, contra os olhos e os óculos de lentes muito expessas, estavam sobre a pia, com uma das lentes trincada feito uma estrela, bem no centro.
Percebi que ele estava furioso! Muito indignado, mesmo!
Me aproximei, e procurando manter o tom de voz ameno para não assustá-lo, perguntei o que tinha acontecido, ao que do alto dos seus cinco anos de idade, me respondeu que não tinha acontecido nada e que era assunto de homem e que ele já tinha resolvido.
Achei graça na firmeza que acreditava ter a situação sob controle, mas precisava saber de fato, o que tinha acontecido ao meu filho!
Então, puxei delicadamente seu rosto para mim e lá estava: um olho circundado por um hematoma digno dos melhores pugilistas, que a todo custo, ele procurava esconder.
Repeti a pergunta, dessa vez, num tom mais firme e disse que devia me contar o que tinha acontecido, porque ele estava machucado e era meu dever protegê-lo e cuidar do seu ferimento.
Relutou um pouco, mas então, me estendeu os bracinhos e quando o acolhi, entre soluços, me disse: "o Mma-ge-lii-nha - me - cha-a-mou - de - fi-i-lho - da - pu-u-tt-a!!! A-ai, e-eu p-aar-tt-i - p-pra - ci-i-ma - dde-le - e - ee-le - mme - ddeu - um - sso-coo - e - quue-br-ou - o - mme-u - óo-cu-los!!!"
Tive muita vontade de rir, olhando para o meu herói, protetor, tão indefeso, mas fiquei preocupada, porque além de muito míope, meu filho era muito menor que o amiguinho, apesar de serem praticamente da mesma idade. O menino era um gigante de 6 anos!!!
Primeiro, cuidei do meu bebê, que já se obrigava feito um homem e depois, de abraçá-lo, com muito carinho e bastante orgulhosa, ponderei em pensamento, sobre o que deveria dizer e como agir diante da situação, para que ele não fosse diminuído na sua coragem e também, passasse a evitar brigas para que não se machucasse.
Olhei para ele, ainda no meu colo, com gelinho no olho, enquanto soluçava ressentido e lhe disse: "Filho, a mamãe é puta?" Ao que ele de pronto afirmou: "Claro que não!"
"Então, meu amor, em vez de brigar com o seu amigo, use a sua inteligência! Não dê importância ao que não tem importância e não é verdadeiro. 
Da próxima vez que o seu amigo te chamar de filho da puta, diga a ele simplesmente: "Minha mãe não é puta, portanto, você não deve me chamar desse jeito, porque não é verdade. Não vou brigar com você, porque não sabe a diferença entre um palavrão e um elogio, então, seria uma covardia da minha parte, brigar com alguém menos inteligente que eu"! Vire as costas e saia tranquilamente, de modo que ele se sinta um bobo, por ter dito isso sobre a mamãe! 
Na vida, muitas vezes, vão usar esse nome, para te ofender, mas como não é verdade, você não precisa sair brigando com as pessoas! E, se alguém insistir, diga: "mesmo que a mamãe fosse uma puta, lá em casa, não tem fila para reclamações e seu pai, não tem a senha, desse modo, minha mãe é melhor que qualquer um da sua família e não é para o seu bico"! Você verá, que o resultado, será melhor que sair no braço. 
Já pensou, se por conta de uma coisa sem importância como essa, um pedaço da lente entra nos seus olhos e você deixa de enxergar? Você acha mesmo que teria valido à pena?"
Então, ele me olhou, mesmo magoado e pensativo, me respondeu: "É, né, mamãe? Se você não é puta, eu não preciso correr o risco de apanhar, toda vez que o Magelinha me provocar, porque ele é grande, né mamãe? E, com certeza, eu vou apanhar"!
Rindo por dentro, da lógica conclusão a que o meu homenzinho chegou, o abracei e concordei olhando bem séria pra ele, aprovando com o olhar, o seu entendimento.
Naquela noite, já dormindo, ele suspirava sentido, sem saber, que eu era a mãe mais orgulhosa do mundo, por ter um super herói só meu!!!
Eles cresceram juntos, brincaram e brigaram muito ainda, depois desse episódio, mas acredito que todos eles, da rua Ceará, podem dizer que tiveram uma infância linda!

Boa tarde!!!